O britânico Nicholas Barr é professor de Economia Pública na
London School of Economics (LSE), a mais respeitada escola de Economia da Europa, e ele é provavelmente o mais famoso especialista em
reforma da previdência em todo o mundo.
Nick Barr, como é mais conhecido, deu assessoria sobre reforma
previdenciária a governos dos países europeus pós-comunistas, e, também,
a Suécia, Chile, China, além de ao próprio Reino Unido.
Barr recebeu
CartaCapital em seu escritório em Londres para uma entrevista sobre reforma da previdência, mas também falou sobre austeridade fiscal e a
PEC 55 (antes PEC 241), principal proposta do governo de Michel Temer.
Para Barr, assim como para muitos dos críticos brasileiros da medida,
a PEC vai tirar recursos de áreas estratégicas. "Se você aumentar o
orçamento do governo a cada ano apenas pela inflação, em termos práticos você estará cortando em termos reais serviços como educação e saúde", diz.
Além disso, afirma o professor da LSE, a PEC 55 vai engessar diversos futuros governos de forma perigosa. "C
olocar uma regra econômica na Constituição me soa uma má ideia", afirma.
CartaCapital: O Senado do Brasil está discutindo neste
exato momento uma emenda constitucional para limitar as despesas
primárias por ao menos 10 anos, talvez 20, de acordo com a inflação do
ano anterior. O que você acha disso?
Nicholas Barr: Há duas questões
conflitantes. Uma delas é a de manter o gasto do governo baixo até um
nível razoável, e regras podem ser úteis para tanto. A outra é o fato de
que o futuro é incerto e você nunca sabe o que irá acontecer.
Virtualmente ninguém antecipou a
crise econômica de 2008 e, de repente, todas as regras fiscais, até dos mais prudentes países, como o da Alemanha, foram jogadas pela janela.
Então, a minha visão geral – e eu não estou comentando sobre o Brasil
especificamente, porque eu não conheço os detalhes o bastante – é a de
que regras podem ser úteis, porque elas tornam mais difícil para os
governos fazerem a coisa errada, mas colocar uma regra econômica na
Constituição me soa uma má ideia, porque, se coisas verdadeiramente
imprevisíveis acontecerem no futuro, o governo pode ter que aumentar o
gasto público, então terá que mudar a Constituição, mas Constituições
não deveriam ser mudadas por razões de curto prazo.
E talvez o governo não possa
mudar a Constituição rapidamente,
caso no qual haverá risco de violação da Constituição, então ambas as
coisas criam não somente um perigo econômico, mas perigos para a
Constituição em si mesma.
Não adianta ter uma regra qualquer. No Reino Unido, nós temos tido
muitas regras e o governo tem quebrado várias delas, mas não na
Constituição, porque, como eu disse, é economicamente perigoso, porém,
ainda mais importante para mim, é que isso é constitucionalmente
perigoso.
CC: E especificamente sobre a regra que limita as despesas de acordo com a inflação do ano anterior?
NB: Ok. Eu acho que se você tentar congelar o gasto
público em termos reais, você tem dois problemas. Um é que o preço dos
serviços aumenta relativamente ao preço dos bens manufaturados. Muito do
que os governos gastam é com serviços, em particular educação e saúde.
Portanto, se você aumentar o orçamento do governo a cada ano apenas pela
inflação, em termos práticos você estará cortando em termos reais
serviços como educação e saúde.
Então, apenas usando a taxa de inflação seria um modo errado de fazer isso. Precisamos mais do que isso. É o primeiro problema.
Problema 2. Há concordância geral no sentido de que o governo deve
ter alguma flexibilidade no curso do ciclo econômico. Se a economia vai
mal, gastos sobre os benefícios de
desemprego
aumentarão etc. Alguém poderia muito bem dizer: “Nós precisamos de uma
regra, mas ela não deveria ser uma regra ano a ano, e sim uma regra que
funcione ao longo do ciclo econômico”.
O terceiro dos meus dois pontos (risos) é que as condições econômicas
e sociais mudam a todo o tempo. Uma regra que conforma o gasto público
como uma parcela do PIB tem mais probabilidade de ser robusta e, então,
de passar no teste do tempo do que uma apenas baseada na inflação.
Ter regras é uma boa ideia. Eu diria que uma regra relacionada a uma
parcela do PIB e talvez uma decrescente, digamos, nós estamos
objetivando reduzir as despesas numa parcela do PIB a cada ano pelos
próximos 10 anos.
Essa é uma regra que poderia fazer sentido, mas, como eu disse, não
colocada na Constituição. Colocá-la na Constituição é
constitucionalmente perigoso.
CC: Partindo, então, para a sua especialidade, que é
reforma da previdência, quais são os principais objetivos de tal
reforma num país como o Brasil? Como o trade-off entre eficiência e
equidade deveria funcionar?
NB: A previdência tem múltiplos objetivos os quais
podem ser divididos em três grupos. O primeiro é a adequação. A
previdência precisa ser ampla o suficiente. São três elementos: a)
alívio da pobreza, b) diluição do consumo e c) segurança.
Se ninguém fosse pobre, o principal propósito da previdência seria
permitir que pessoas jovens como você transferissem consumo para quando
vocês mesmos se aposentassem, mas, como as pessoas têm incertezas no
curso de suas carreiras, você também precisa de segurança e, como
algumas pessoas são pobres – tomando a sua a vida inteira como
perspectiva, e não olhando apenas para períodos curtos –, você também
precisa de alívio de pobreza.
O segundo elemento estratégico é sustentabilidade. Se uma pessoa
jovem como você está redistribuindo renda para ela mesma quando ela
estiver mais velha, muitas décadas à frente, então é preciso um
instrumento de longo prazo. Você precisa de um sistema que seja
financeiramente sustentável, mas também de um que seja socialmente
sustentável.
É muito fácil ter um sistema de previdência que seja financeiramente
sustentável. Você simplesmente paga benefícios muito baixos, mas isso
não é socialmente sustentável, então você precisa de ambos os dois
elementos.
E o terceiro elemento, que não é de certo modo um objetivo primário,
mas um objetivo instrumental, é ter um bom governo. Você precisa ter a
capacidade de administrar bem o sistema de previdência e, criticamente
importante, algo no que o governo britânico não é muito bom, você
precisa ter a capacidade de pensar a previdência social em perspectivas
de muito longo prazo.
É ruim reformar a previdência drasticamente, repentinamente, devido a
uma crise. A reforma deveria estar ocorrendo muito antes, para que
pudesse acontecer gradualmente.
O peso relativo a ser dado ao alívio de pobreza e à diluição de
consumo é uma questão para o eleitorado brasileiro decidir e para os
políticos brasileiros. Alguns países dão um peso maior ao alívio da
pobreza, têm um generoso benefício não contributivo e uma menor diluição
do consumo por meio de mais poupança, enquanto outros não.
CC: Uma das principais mudanças que o governo
brasileiro pretende fazer no próximo ano no sistema previdenciário é
desvincular os benefícios do salário mínimo. O que você acha disso?
NB: Nós precisamos distinguir dois elementos: a)
qual o tamanho do benefício mensal? b) a partir de qual idade ele é
pago? Se alguém acredita, como eu, que por razões de diminuição de
pobreza, a previdência deveria ser adequada, se o dinheiro para pagar
esse nível de benefício não está lá, então o governo tem sempre a opção
de dizer: “Bem, nós não iremos pagar os benefícios a partir da idade
atual, mas de uma idade posterior”.
Se os elaboradores das políticas públicas, representantes do
eleitorado, quiserem que a previdência esteja relacionada ao salário
mínimo, mas de uma forma que seja financeiramente sustentável, então,
pensar em qual deveria ser a idade para pagamento dos benefícios poderia
ser o que traria adequação e sustentabilidade ao mesmo tempo.
CC: De acordo com os seus trabalhos e com o que o
senhor vem dizendo, não há uma resposta final para os sistemas de
previdência e todos esses aspectos deveriam ser cuidadosa e
complexamente analisados de forma conjunta.
NB: Se há um problema para pagar os benefícios, há
quatro e apenas quatro políticas possíveis: a) você reduz o benefício
mensal, ou b) você mantém o benefício mensal, mas começa de uma idade
posterior, que é outro modo de cortar benefícios, ou c) você aumenta
contribuições, ou d) você adota políticas que aumentem o crescimento, o
que facilita pagar os benefícios.
Uma vez que os governos apenas têm esses quatro grupos de políticas e que aumentar o
crescimento
é uma política de longo prazo, no curto prazo sobra o aumento das
contribuições, a redução dos benefícios ou o início de benefícios apenas
mais tarde.
Deve-se olhar para todos esses aspectos, como você sugere, quando se tentar fazer uma reforma.